Somos movidos pela vida desde a concepção, quando crescemos matéria e com o parto nascemos para esse mundo. Ainda que os mais pessimistas assinalem que a espera pela vida encerra-se no nascimento, momento inicial do nosso caminho rumo à morte, nascemos diante da mais bela luta pela vida. Uma pequena criatura de centímetros é capaz de mobilizar uma equipe de profissionais e uma família ávida por ver naquela mais nova partícula de Deus o seu futuro a ser reescrito, recontado para mais uma geração.
Cada criança que nasce no mundo acende, mais uma vez, a chama do amor mais genuíno que se encontra na verticalidade. Nela são depositados sonhos e muitos esforços para que seus passos sejam mais suaves e exitosos que os nossos. Definitivamente somos preparados para a vida, com uma certeza irreal, mas bastante verossímil, de que o amanhã acontecerá e o que não pudemos fazer no “agora” protagonizará o “daqui a pouco”. E é nesse ritmo que a criança segue crescendo, aprendendo e vivendo até atingir a maioridade, quando parece que escapa dos nossos dedos e feito um passe de mágica, aquele bebê há pouco acalentado já está na universidade, nos estágios, colando grau, trabalhando e alçando seus vôos cada vez mais distantes.
Assim como o curso natural da vida, também a morte estabelece seus ciclos. Evento certo na vida de todos nós, ela sempre se apresenta de forma arbitrária. Àqueles que amam verdadeiramente, um segundo de vida a mais é sempre um motivo de comemoração. Ao contrário do parto, no exercício da partida o relógio parece voar implacável. Ai se pudéssemos parar o tempo, parar o mundo até, para eternizar momentos com quem amamos e está prestes a nos deixar… Mas Deus, sempre perfeito, não permite. Afinal, atrasaríamos a alegria das famílias que recebem a vida. E essas, se tivessem esse poder, com certeza, acelerariam os carrilhões, mas reduziriam as despedidas. Por isso o tempo é grandeza de marcha constante, sem correr nem ralentar.
Assim como a criança, a morte em seus primeiros dias, meses, anos, precisa de atenção praticamente integral. O luto é uma chaga aberta, como aquele machucado no pé que insistimos em bater em todos os lugares. Tudo leva à pessoa que partiu. São lembranças, pensamentos, sentimentos e o pior de todos os sentimentos que uma pessoa pode suportar: a ausência de futuro. A certeza implacável de que tudo já foi, ficou no passado e que não teremos aquele “amanhã” que ontem achávamos certo.
Mas o tempo passa, os anos avançam e a tristeza vai lentamente amadurecendo. Como a criança, vai se tornando sofisticada e, aos poucos, evolui para saudade. Aos sábios, a saudade se soma ao modelo, ao exemplo de vida a perseguir e, quem sabe, na morte fazer despertar tudo isso nos que ficarem. Ao meu ver, essa é a maioridade da dor, quando ela se aperfeiçoa, amadurece e nos faz, novamente, enxergar o futuro onde antes víamos apenas passado.
Aos 20 de julho de 2005, Deus chamou meu avô. Não por coincidência, na data em que se comemora o Dia do Amigo. Àquele tempo não usávamos essa tecnologia, mas ele foi o meu verdadeiro GPS, muito mais do que o pai da minha mãe, meu avô ou meu amigo. E hoje, 18 anos depois dessa despedida, mesmo tendo viajado praticamente todo o mundo e conhecido muitas pessoas, quanto mais vivo, busco a sabedoria de encontrar nele o exemplo de homem a seguir. Afinal, é essa a melhor forma da dor aflorar para a sua maioridade.