Marcelo Henrique de Carvalho

Em meio à crescente crise de saúde pública relacionada à adulteração de bebidas alcoólicas com metanol, o Governo do Estado de São Paulo dá um passo decisivo na proteção da população ao implementar um protocolo inédito para detecção rápida dessa substância em bebidas comercializadas. O avanço científico, fruto do trabalho da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), não apenas multiplica a eficiência das fiscalizações, mas inaugura uma era de agilidade e inteligência na resposta preventiva e repressiva a um problema que expõe milhares de pessoas ao risco de intoxicação grave, cegueira permanente e, em casos extremos, morte.

O novo protocolo nasceu como resposta emergencial à explosão de casos identificados em setembro e outubro, quando dezenas de cidadãos em diferentes regiões do estado deram entrada em hospitais apresentando sintomas graves após consumir bebidas contaminadas. Dados oficiais registram mais de vinte casos confirmados de intoxicação por metanol, com pelo menos cinco óbitos em território paulista apenas em 2025. Diante da urgência, o gabinete de crise criado pelo governo intensificou ações de saúde, segurança, comunicação e interdição de estabelecimentos, envolvendo uma série de órgãos públicos, como a Polícia Civil, Secretaria da Fazenda, Procon-SP, secretarias municipais e estaduais de Vigilância Sanitária.

O cerne do protocolo desenvolvido pela SPTC está na combinação de múltiplos métodos laboratoriais com inteligência estatística e uso de novas tecnologias. O processo começa com a seleção de amostragem estatística, que segue padrões internacionais e permite eficiência logística sem necessidade de analisar todas as garrafas apreendidas em operações. Assim, com a análise de uma parcela representativa dos produtos, é possível obter resultados com até 99% de confiabilidade, acelerando avaliações tanto nas etapas de apreensão quanto de perícia.

Na segunda etapa, o Núcleo de Documentoscopia inspeciona lacres, selos, embalagens e rótulos, valendo-se de técnicas modernas de autenticação documental. Esse exame, realizado em menos de um dia, permite identificar fraudes e falsificações logo após a apreensão dos lotes. Em seguida, as bebidas são encaminhadas ao Núcleo de Química da SPTC, onde peritos utilizam equipamentos portáteis de leitura química — verdadeiros laboratórios móveis capazes de detectar a presença de metanol e outras substâncias tóxicas diretamente em garrafas lacradas, sem necessidade de abertura prévia.

O destaque tecnológico da metodologia é o uso intensivo da cromatografia gasosa, técnica que separa os elementos químicos presentes em cada amostra e indica, com precisão, a porcentagem de metanol na bebida analisada. Os exames são complementados por testes para identificação de falsificações, já que muitas vezes os produtos comercializados podem ser alvo de fraude documental mesmo sem conter diretamente o composto tóxico. Desde sua implementação, o protocolo já permitiu a análise rápida de ao menos trinta casos críticos, viabilizando decisões imediatas que respaldam autuações, interdições e encaminhamento de vítimas para tratamento médico.

A relevância da medida transcende o campo laboratorial ao impactar diretamente o trabalho das equipes de campo. As ações de fiscalização intensificaram-se em toda a cadeia produtiva e comercial, com operações simultâneas deflagradas em bares, restaurantes, distribuidoras e fábricas clandestinas. O Procon-SP, por exemplo, mobilizou mais de quatrocentos agentes em uma só noite na capital, interior e litoral, fiscalizando mais de mil estabelecimentos e emitindo dezenas de notificações por infrações ao Código de Defesa do Consumidor. A vigilância conjunta garantiu apreensões de milhares de garrafas, especialmente de vodca, uísque, gim e tequila, além de rótulos e embalagens falsificados. Os dados colhidos por fiscais e policiais são cruzados com sistemas eletrônicos de nota fiscal para identificar irregularidades, simulações, venda sem origem comprovada e movimentos suspeitos na rede de fornecimento de bebidas alcoólicas.

O impacto da nova metodologia também se faz sentir no campo jurídico e legislativo. A Assembleia Legislativa e o governo estadual avançam em projetos para endurecer sanções administrativas e criminais contra os responsáveis por comercializar produtos adulterados e falsificados. A força-tarefa amplia o treinamento de agentes públicos e comerciantes, além de implementar campanhas regulares de orientação à população, com informações sobre sinais de alerta, procedimentos de denúncia e recomendações de consumo seguro. O setor privado, representado por associações de fabricantes e distribuidores, foi incluído no programa de combate à fraude, contribuindo com mecanismos de denúncia anônima e compartilhamento de dados de rastreio.

O contexto atual revela uma evolução na organização criminosa envolvida, com ampliação das operações pelas polícias estaduais para investigar possíveis vínculos entre facções e grandes redes de adulteração. A estratégia do governo paulista articulou o gabinete de crise para enfrentar o problema em múltiplas frentes: saúde, investigação policial, monitoramento fiscal e controle sanitário. As prisões por venda irregular já somam mais de cinquenta este ano, sendo trinta realizadas somente na última quinzena, desde a intensificação das ações após o alerta sanitário. Os laudos e perícias produzidos em tempo recorde, graças ao novo protocolo, vêm proporcionando respostas jurídicas mais rápidas e evitando que novas vítimas sejam expostas a bebidas contaminadas.

Todo o avanço científico, legal e operacional se reflete diretamente na segurança do consumidor. A possibilidade de realizar leituras químicas em campo, diretamente nas distribuidoras, pontos de venda e fábricas, reduz o tempo de exposição da população ao risco e permite tomadas de decisão imediatas, seja pela interdição do estabelecimento, recolhimento de lotes suspeitos ou encaminhamento dos casos ao Ministério Público. Para o consumidor, há uma rede de proteção ampliada e informações qualificadas sobre os riscos do metanol, que é classificado como substância altamente tóxica — capaz de causar graves lesões neurológicas, oftalmológicas e renais, levando à cegueira irreversível e até à morte mesmo em pequenas doses.

Por detrás do procedimento recém-lançado também está a valorização da inteligência técnica no serviço público. Segundo os responsáveis pelo programa, o protocolo internacional foi adaptado à realidade brasileira para suportar o aumento exponencial da demanda, especialmente em estados e cidades que enfrentaram, nos últimos meses, surtos sucessivos de intoxicação por bebida alcoólica adulterada. A modernização das técnicas, articulada com campanhas educativas e cooperação interinstitucional, dá maior robustez às iniciativas de combate à fraude, tornando São Paulo referência nacional e exportando o modelo para outras unidades federativas.

O caráter inovador da abordagem e sua rápida disseminação pelo estado empoderam agentes e cidadãos, criando uma nova cultura de vigilância ativa, denúncia responsável e colaboração entre órgãos distintos. O governo já negocia, junto à iniciativa privada, propostas de endurecimento legislativo, incluindo agravamento de penas para reincidentes, fechamento definitivo de fábricas clandestinas e restrição ao acesso a precursores químicos potencialmente perigosos. Além disso, o convênio firmado entre estado e setor produtivo prevê treinamento continuado, divulgação das ações, ampliação dos canais de denúncias e aperfeiçoamento dos mecanismos de rastreio de bebidas.

Em consequência direta, observa-se queda na circulação de lotes suspeitos, interrupção de operações clandestinas e aumento no volume de denúncias recebidas por órgãos fiscalizadores, seja presencialmente ou via aplicativos e central telefônica. Para São Paulo, a prioridade agora é consolidar a rede de proteção e intensificar a resposta a eventuais novas ameaças, aprimorando ainda mais o sistema tecnológico de perícia e controle, bem como fortalecer o vínculo com associações de consumidores e profissionais da saúde.

Por fim, o marco estabelecido pelo protocolo reforça a importância da ciência, inteligência e união de esforços públicos e privados diante dos desafios da contaminação química. O Estado de São Paulo emerge como protagonista na defesa do direito à saúde e segurança do consumidor, investindo em tecnologia, formação e informação qualificada. O enfrentamento da crise do metanol sinaliza, sobretudo, que o caminho da proteção coletiva exige ação integrada, vigilância constante e valorização dos princípios éticos que sustentam o serviço público. Enquanto outras regiões avaliam a implementação do modelo paulista, São Paulo atua para garantir que cada cidadão possa confiar que a bebida que compra para celebrar, confraternizar ou simplesmente relaxar, venha com a certeza de segurança e qualidade. O século XXI marca, assim, a ascensão de um modelo que torna a identificação de riscos uma prioridade, elevando padrões e valores em defesa da vida.

Marcelo Henrique de Carvalho

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