Por Marcelo Henrique de Carvalho

No coração pulsante da maior metrópole da América Latina, o Mercado Municipal de São Paulo, carinhosamente chamado de Mercadão, ressurge como símbolo de tradição, de arte e de resiliência urbana. Fundado no emblemático 25 de janeiro de 1933, a mesma data de aniversário de São Paulo, este espaço se converteu, ao longo de quase um século, não apenas em entreposto de abastecimento, mas em ícone da arquitetura, da cultura e do turismo paulistano.

Projetado inicialmente pelo arquiteto Francisco Ramos de Azevedo e concluído por seus sócios após o seu falecimento, o Mercadão revela, nas linhas clássicas de sua construção, a dualidade da cidade, entre inovação e respeito ao passado. O local fora, no início do século XX, erguido sobre antigas várzeas do Rio Tamanduateí e idealizado como solução para a crescente necessidade de abastecimento da população paulistana em fase de explosivo crescimento industrial. O edifício, erguido entre 1926 e 1932, foi inaugurado em uma São Paulo marcada pela diversidade e pelo fluxo comercial, conectando o Brasil rural à efervescência da vida urbana.

A imponência do Mercadão é notável, seja pela sua monumental área interna, com mais de 12.600 metros quadrados e mais de 290 boxes comerciais, seja por sua estrutura arquitetônica singular. Inspirado no Mercado Central de Berlim, o Mercadão apresenta abóbadas internas, telhados envidraçados e fachadas marcadas pela sobriedade do neoclassicismo.

Elemento raro entre edifícios públicos, o Mercadão abriga 32 painéis contendo 72 vitrais excepcionais, obra do artista russo-brasileiro Conrado Sorgenicht Filho, o mesmo responsável pelos vitrais da Catedral da Sé. Os vitrais retratam com maestria cenas icônicas da agricultura paulista, a colheita, o transporte de alimentos, e a vida cotidiana dos colonos. As claraboias permitem à luz natural adentrar o espaço, criando sensações de cor e movimento que marcam de maneira indelével a memória de cada visitante.

Ao longo das décadas, o Mercadão atravessou diferentes etapas de restauração e conservação. O edifício é tombado como patrimônio histórico e artístico, reconhecimento público à importância cultural do espaço para a cidade. Em 2004, intervenções cuidadosas trouxeram modernização e segurança sem comprometer a integridade dos elementos originais.

Mais do que ponto de comércio, o Mercado Municipal de São Paulo é espaço privilegiado de experiência sensorial e cultural. Diariamente, o Mercadão recebe milhares de visitantes, turistas nacionais e estrangeiros, que se deleitam com sabores incomparáveis, da pastelaria de bacalhau ao mítico sanduíche de mortadela. O movimentado ambiente é, por vezes, comparado a teatros urbanos, onde cada corredor revela frutas exóticas, temperos raros e encontros improváveis entre diferentes costumes e sotaques.

O Mercadão se tornou referência em gastronomia, arte popular e convivência multicultural. Cada boxe ou barraca traz uma história: famílias de imigrantes sírios, franceses, italianos e portugueses, que, através de gerações, mantêm viva a tradição dos sabores paulistas e, por consequência, a memória e a identidade da cidade.

No mezanino, restaurantes sofisticados oferecem experiências gastronômicas requintadas, transformando o Mercadão em cenário para encontros, degustações e convivência. A efervescência cultural do espaço faz do Mercadão um dos mais visitados cartões-postais de São Paulo.

Apesar de sua grandeza, o Mercado Municipal enfrenta, há anos, sérios desafios. Entre eles, destaca-se o Golpe da Fruta, prática lesiva por parte dos vendedores, que se tornou um dos principais problemas do local.

Recentes denúncias e reportagens revelaram práticas desonestas em boxes de venda de frutas. O chamado “Golpe da Fruta” consiste em coagir clientes, especialmente turistas, a adquirir bandejas de frutas por valores muito acima do mercado, muitas vezes mascarados como promoções irresistíveis. Outros relatos apontam que, durante a pesagem, vendedores alteram a precificação, e clientes, constrangidos ou intimidados, acabam por pagar valores abusivos.

A administração do Mercadão, ao tomar conhecimento das recorrências, criou regras para tentar coibir o problema: proibiu o uso de facas de metal durante a abordagem (permitindo apenas utensílios plásticos), determinou distância mínima de um metro entre vendedor e cliente e acabou com a abordagem múltipla ao mesmo consumidor por diferentes vendedores simultaneamente.globo+1

Apesar do endurecimento das normas e de fiscalizações mais rigorosas, incluindo advertências e interdições de boxes pela Procon-SP, a prática, embora praticada por minoria, persiste e afeta negativamente a reputação do Mercadão. Não são raros casos de ameaças e constrangimentos relatados em redes sociais, com visitantes alertando outros turistas sobre a “malandragem”, exigindo maior conscientização e rigor da administração.

Outro problema recorrente é a escassez de vagas para estacionar. Com o crescimento do fluxo de visitantes, a demanda por vagas tornou-se insustentável. Atualmente, o valor é considerado abusivo: a primeira hora no estacionamento custava R$ 5 antes da concessão à iniciativa privada e chegou a R$ 25 recentemente. As vagas públicas ao redor do Mercado estão constantemente sob “domínio” de flanelinhas, que cobram valores superiores ao preço oficial da Zona Azul, ameaçando e coibindo motoristas. A irregularidade se agravou com parte do estacionamento interditada por obras de restauração e a persistência do comércio não-oficial de vagas.

A segurança nas imediações do Mercadão, infelizmente, também é motivo de preocupação. Falhas em sistemas contra incêndio, ausência do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e problemas estruturais detectados em relatórios públicos apontam para riscos à integridade dos frequentadores. Vazamentos, destruição de revestimentos e não funcionamento de elevadores e escadas rolantes são detectados por avaliações recentes da própria concessionária. Apesar dos esforços de modernização e melhorias, a pressão urbana e o elevado afluxo de visitantes agravam as vulnerabilidades do local, exigindo investimentos mais consistentes e fiscalizações constantes.

A concessão recente do Mercadão, por 25 anos, à iniciativa privada, é aposta da Prefeitura para atualizar, modernizar e restaurar o edifício histórico, com previsão de investimentos superiores a R$ 80 milhões. O consórcio Novo Mercado Municipal se comprometeu com reformas e ampliações que, espera-se, trarão renovação ao conjunto arquitetônico, proteção ao patrimônio e solução para problemas históricos, sem comprometer a pluralidade e o legado cultural do espaço.

No entanto, cabe à administração equilibrar os interesses comerciais à preservação do caráter público, artístico e turístico do Mercadão. A superação dos desafios exige transparência, escuta aos permissionários e aos usuários, combate sistemático às práticas abusivas, investimento em segurança e atendimento adequado à demanda de estacionamento.

O Mercado Municipal de São Paulo, com seus vitrais esplêndidos, aromas inebriantes, arquitetura monumental e pulsação cotidiana, permanece símbolo insubstituível da pluralidade paulistana. É palco de convivência entre culturas, espaço de memória viva e, ao mesmo tempo, laboratório de desafios urbanos, onde se negociam, diariamente, valores éticos e estéticos, públicos e privados. A persistência do Golpe da Fruta, a escassez de estacionamento e os problemas de segurança não diminuem seu valor, mas impõem ao nosso olhar rigor, compromisso e esperança.

Cabe à sociedade e ao poder público cuidar de sua permanência como locus de beleza, diversidade e respeito. O Mercadão é, por fim, Patrimônio de todos e seu futuro depende do nosso compromisso coletivo com a história, com a arte e com a cidadania.

Marcelo Henrique de Carvalho
Marcelo Henrique de Carvalho

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