Por Marcelo Henrique de Carvalho
O Restaurante Guanabara é um autêntico relicário da boemia e da gastronomia paulistana, um espaço que, há mais de um século, preserva tradições e histórias no coração pulsante do centro de São Paulo. Inaugurado em 1910 por Ângelo Martinez, inicialmente na Rua Boa Vista, tornou-se símbolo da vida social e cultural da capital, atraindo, ao longo de gerações, artistas, políticos, jornalistas e curiosos de toda parte.
Em seus primórdios, o Guanabara rapidamente se destacou pela cozinha e pelo ambiente acolhedor, frequências que se mantiveram sólidas mesmo após a intempérie dos anos 1960, quando a construção do metrô levou à demolição do imóvel original na Boa Vista. Como resposta, o restaurante fincou raízes definitivas na esquina da Avenida São João, onde permanece, imponente, ao Vale do Anhangabaú, cenário de efervescência cultural paulistana.
Ali, entre madeiras escuras, espelhos e relíquias adornando as paredes, o Guanabara exala uma aura de nostalgia e resistência. Durante mais de um século de existência, manteve-se como ponto de encontro de figuras notórias: nomes como Getúlio Vargas, Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Ulisses Guimarães e, segundo relatos lendários, até o próprio Santos Dumont, marcaram presença entre suas mesas. Nenhuma prova concreta restou da boemia do inventor, mas a lenda se eternizou no imaginário dos funcionários e clientes.
A decoração do Guanabara se manteve fiel ao passado, com uma estética vintage preservada nos detalhes: balcão de frios, cadeiras e mesas tradicionais, garçons vestindo-se com elegância clássica, e uma profusão de retratos e fotos em preto e branco. Sem esquecer das estantes intactas, com utensílios que retomam gerações. Entrar no salão é mergulhar em um tempo em que os almoços eram longos, regados a conversas sem pressa, antes de os celulares substituírem a prosa no balcão do bar.
O local, apesar de conviver com os desafios urbanísticos do centro, segue sendo espaço democrático, de frequentadores antigos a turistas internacionais, todos compartilham a mesma atmosfera calorosa e acolhedora.
O cardápio do Guanabara, imortalizado na história paulistana, é pautado pela tradição e fidelidade às receitas originais, longe das tendências da “gourmetização”. Entre os pratos mais pedidos está o famoso Filé à Parmegiana, servido com molho farto e queijo tostadinho, combinação que arranca suspiros de nostalgia não apenas dos habitués, mas também dos novos comensais.
Outro clássico absoluto é a Coxa Creme, considerada por muitos a melhor da cidade, com casquinha crocante e recheio suculento, lembrança viva dos tempos em que os bares do centro de São Paulo eram sinônimos de boas receitas de boteco. Além disso, o restaurante serve pratos executivos, carnes grelhadas, lanches, massas e uma variedade de saladas e petiscos. O chope, sempre bem tirado, também merece menção especial, junto ao atendimento solícito dos garçons, que cultivam vínculos de amizade com os clientes.
O Guanabara é celebrado não somente pela longevidade, mas, sobretudo, pela autenticidade da experiência. Frequentadores relatam uma “viagem no tempo”, regada a memórias afetivas proporcionadas pelo ambiente retrô e pela atenção personalizada do time de serviço. A gentileza e o conhecimento dos veteranos são frequentemente citados nos relatos, assim como a sensação de pertencimento gerada pelo convívio entre gerações. Eu mesmo, todas as vezes que retorno ao Guanabara lembro-me, com riqueza de detalhes do almoços com meu saudoso avô que – além de conhecer profundamente a região – aproveitava o ensejo para elencar histórias inesquecíveis dos seus tempos de Correios.
É verdade, no entanto, que algumas críticas apontam aspectos a serem melhorados, como a necessidade de maior cuidado com a limpeza em alguns períodos e a variação no preparo de pratos em dias excepcionais. Ainda assim, a imensa maioria concorda: o Guanabara permanece inabalável na proposta de servir, com simplicidade e carinho, receitas icônicas em um ambiente acolhedor onde a nostalgia e o sabor caminham de mãos dadas.
Longevidade, Resistência e Legado
O centro histórico de São Paulo viu inúmeros bares e restaurantes fecharem as portas ao longo do século XX, sufocados pela especulação imobiliária, mudanças no perfil urbano e transformações culturais. O Guanabara, no entanto, resistiu a todas essas ondas, transformando-se em patrimônio afetivo e cultural da cidade. Os relatos de resistência diante dos desafios urbanos, tais como moradores em situação de rua, acúmulo de lixo, iluminação precária, reforçam seu papel simbólico: o de quem se recusa a deixar que as memórias do centro sejam apagadas pela pressa e pelo descaso.
Serviço, Localização e Funcionamento
Localizado na Avenida São João, 128, em plena região do Vale do Anhangabaú, o Guanabara é facilmente reconhecível pela fachada tradicional e pela movimentação constante do público entre a manhã e o entardecer. O restaurante funciona de segunda a sábado, das 09h às 17h, tornando-se parada obrigatória para quem deseja apreciar a boemia diurna, almoçar ou simplesmente se refugiar em um espaço que celebra as pequenas tradições do cotidiano paulistano.
Aceita reservas, possui cardápio variado, ambiente acessível e equipe pronta a orientar os novos visitantes. Seja para turistas curiosos, moradores antigos ou jovens em busca das raízes da cidade, o Guanabara segue sendo ponto de encontro democrático e plural.
Visitar o Restaurante Guanabara é mais do que uma experiência gastronômica. É um ritual de pertencimento à história de São Paulo, um reencontro com a boemia, com o tempo desacelerado e os rostos familiares que transmitem, no sorriso e no aperto de mão, a autenticidade de um tempo que teima em não se perder.
Com sua atmosfera única e sabor inconfundível, o Guanabara permanece, assim, como um dos últimos refúgios da verdadeira vida urbana paulistana, aquela marcada, sobretudo, pelos encontros, pelas conversas ao balcão e pela alegria simples de compartilhar uma boa refeição no centro da cidade.
