Marcelo Henrique de Carvalho

A investigação do assassinato do empresário Adalberto Amarílio Júnior no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, tomou um rumo tecnológico e sofisticado que reflete a crescente dependência das autoridades policiais em ferramentas digitais avançadas para elucidar crimes complexos. Cerca de quatro meses após a descoberta do corpo da vítima, seminua dentro de um buraco em uma obra no autódromo, ainda não há definição quanto à autoria do homicídio, mas no esforço por reverter essa situação, a Polícia Civil de São Paulo incorporou o uso do software israelense Cellebrite, um sistema de extração e análise de dados digitais considerado um dos mais eficientes do mundo na área forense. A implementação desse recurso tem o potencial de revelar informações decisivas que permaneciam inacessíveis, como conversas apagadas, localização de usuários, registros gráficos e multimídia, dados cruciais para reconstruir o cenário em torno do crime.

O Cellebrite, adquirido pelo governo paulista por um valor que ultrapassa R$ 11 milhões, tem como missão principal a extração de dados de ao menos quinze telefones celulares e três computadores que foram apreendidos durante o curso das diligências. São aparelhos pertencentes ao próprio empresário morto, a um amigo que estava presente no evento de motocicletas realizado no autódromo, além de sete seguranças e dois produtores ligados ao evento. A relevância da análise desses equipamentos está na possibilidade de recuperar mensagens, áudios, e históricos que possam evidenciar a presença de conflitos, discussões, movimentações ou até mesmo provas de envolvimento direto ou indireto de pessoas na dinâmica do crime. O processamento desses dados, que somam um volume aproximado de um terabyte, é feito com alto rigor técnico pelo Departamento de Inteligência da Polícia Civil, utilizando 11 máquinas exclusivas do Cellebrite.

Este caso em particular é paradigmático quanto à complexidade dos métodos investigativos que se impõem na contemporaneidade, dada a ausência de imagens ou testemunhos que esclareceriam diretamente o ocorrido. O corpo de Adalberto Amarílio Júnior foi encontrado três dias após seu desaparecimento, ocorrido logo após sua participação no festival de motociclismo em Interlagos. As evidências iniciais apontam para uma morte por asfixia, configurando um crime de homicídio com violência e detalhes que dificultam a identificação imediata dos suspeitos devido ao local isolado do corpo. A investigação levantou a hipótese de que o empresário tenha se envolvido em uma altercação com seguranças do evento, quando teria tentado acessar áreas restritas do autódromo próximo ao estacionamento onde seu carro estava estacionado. Tal conflito poderia ter desencadeado o homicídio, que permanece envolto em mistério quanto aos seus responsáveis.

Os mandados de busca e apreensão autorizados pela Justiça permitiram a coleta de dispositivos digitais de funcionários das empresas de segurança responsáveis pela proteção do evento, acrescidos de depoimentos e avaliações técnicas dos aparelhos. Dois funcionários de empresas distintas, uma voltada para vigilância patrimonial e outra dedicada exclusivamente à segurança do evento em questão, tiveram seus celulares e notebooks apreendidos para uma análise minuciosa. Um dos seguranças apresentava envolvimento com outras ocorrências criminais, incluindo posse irregular de munições e antecedentes por furtos e ameaças, porém até o momento não há provas definitivas ligando-o ao assassinato. A apuração busca reconstruir não apenas as ações e movimentações desses indivíduos, mas compreender a rede de relações e interações no dia do festival, identificando possíveis motivadores e circunstâncias que culminaram no crime.

A ausência de vídeo que registre diretamente o episódio de morte implica em que as evidências digitais extraídas pelo software ganhem maior relevância para mapear o contexto e as conexões que podem levar aos autores da ação criminosa. As câmeras instaladas nas imediações, embora tenham filmado a vítima em movimentos anteriores ao desaparecimento, não captaram nenhum sinal de violência ou altercação visível, o que amplia o desafio de se estabelecer uma linha clara de investigação. Assim, a análise de dados recuperados das plataformas digitais, interações por mensagens, localização dos aparelhos e registros de áudio podem revelar informações inéditas, tais como horários precisos de presença em setores do autódromo, contatos suspeitos ou relatos informais trocados entre as partes envolvidas.

O investimento em tecnologia israelense reflete um avanço significativo no arsenal investigativo das forças de segurança brasileiras, alinhando-se às melhores práticas internacionais em segurança pública e combate à criminalidade. O software Cellebrite é amplamente utilizado por instituições como a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência, reforçando sua confiabilidade e capacidade operacional em processos investigativos que dependem fortemente da análise de informações digitais. No panorama da criminalística moderna, a digitalização do mundo e a ubiquidade de dispositivos móveis geram uma enorme base de dados que, se devidamente explorada, potencializa a chance de elucidação rápida de crimes, contribuindo para o aumento da eficiência e precisão das investigações.

Enquanto a polícia trabalha na análise dos dados, a sociedade acompanha com expectativa o andamento do processo, no qual se entrelaçam avanços tecnológicos e procedimentos judiciais rigorosos, essenciais para a garantia dos direitos e a correta investigação dos fatos. Também pesa na investigação a necessidade de cautela para não prejulgar os envolvidos, já que a posse dos aparelhos eletrônicos apreendidos em si não configura suspeição direta, mas uma investigação aberta a todos os elementos que possam vir a contribuir para a verdade real do ocorrido. O cuidado com a ética, a legalidade e a proteção dos dados pessoais constitui um imperativo em todo o procedimento.

A complexidade do caso ilumina as múltiplas faces da segurança urbana e criminal na contemporaneidade, em que eventos sociais, profissionais de segurança, organização privada e tecnologia convergem em um cenário permeado por riscos e vulnerabilidades. O massacre da ausência de vídeo e testemunhas diretas conduz à busca pela verdade nas entrelinhas dos dados digitais, exigindo das autoridades um esforço técnico, jurídico e operacional elevado. É possível que este episódio se torne um marco na utilização da inteligência digital no combate à criminalidade em São Paulo, podendo inspirar futuras estratégias em distintos tipos de investigações, sobretudo aquelas que envolvem eventos com concentração massiva de pessoas e múltiplos envolvidos.

Este caso, embora ainda em aberto, exemplifica os desafios e as potencialidades do sistema de justiça criminal brasileiro ao incorporar tecnologias de ponta e métodos avançados de análise forense digital. A elucidação de crimes dessa natureza depende da interlocução efetiva entre policiais técnicos, especialistas em computação forense, promotores públicos e o aparato judiciário, que devem navegar conjuntamente na complexa malha das evidências digitais, respeitando os direitos individuais e assegurando a responsabilização dos culpados. A prisão do autor ou dos autores do homicídio provavelmente depende da correlação dos dados extraídos com outras fontes, incluindo depoimentos, perícias tradicionais e investigações de campo, compondo um mosaico investigativo consolidado que pode proporcionar justiça para a vítima e segurança à população.

Marcelo Henrique de Carvalho

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