Marcelo Henrique de Carvalho
A polarização política no Brasil alcança, em outubro de 2025, matizes e tensões que clamam por uma análise profunda da configuração social e emocional que molda o campo dos conflitos ideológicos contemporâneos. A recente pesquisa realizada pela Quaest, amplamente discutida no cenário político, revela um país imerso em contradições que ultrapassam a mera disputa eleitoral e alcançam o âmago das representações coletivas, dos valores e das aspirações de segmentos sociais diversos. Esse quadro configura um fenômeno de radicalização que se manifesta tanto na visibilidade midiática quanto nos espaços públicos e privados, experimentando a democracia brasileira com desafios inéditos e urgentes.
O exercício da política, neste momento, aparece marcado por uma trinca de dinâmicas: o fortalecimento de um lulismo não apenas político, mas também afetivo, que traduz uma busca por proteção, empatia e reconstrução do Estado social; a persistência de um bolsonarismo radicalizado, carregado de ressentimentos e pautado numa crítica destrutiva ao establishment; e, finalmente, o surgimento ou intensificação de um eleitorado que se distancia desses polos, exprime cansaço e anseia por estabilidade e normalidade, constituindo um novo “terceiro campo” da política nacional.
Do lado do lulismo, a narrativa construída ultrapassa a disputa tradicional de ideias, assumindo uma estética de acolhimento e esperança, numa espécie de gramática emocional que busca reaproximar o Estado do indivíduo por meio de políticas públicas que ampliem a proteção social. Este movimento político radica-se, sobretudo, entre beneficiários de programas sociais, mulheres, negros, moradores do Nordeste e trabalhadores informais, expressando o desejo por um Estado que funcione como garantidor de justiça social e inclusão. A força desse bloco reside em sua capacidade de simbolizar um futuro possível, onde a recuperação econômica e social seja acompanhada de reconhecimento e dignidade.
O bolsonarismo, por sua vez, aparece como um fenômeno em transição. Embora mantenha uma base eleitoral expressiva, sua retórica radical e a prevalência do ressentimento político mostram sinais de esgotamento simbólico. A máxima da destruição como forma de renovação dá lugar a um cenário no qual a indignação se torna fadiga, e o discurso de ódio começa a ceder espaço para a desconfiança e apatia. Essa transformação é um indicador de que o fenômeno político que nasceu do conflito destruidor enfrenta agora dilemas relacionados à sua própria sustentação e capacidade de projetar um projeto político viável para além da contestação.
Dentro desse espectro, um elemento central é o comportamento do eleitor desencantado, aquele que deseja a dissolução do conflito político-permanente e anseia por “respirar” em um panorama menos hostil. É um campo importante e decisivo, pois demarca um território psicológico onde a guerra cultural e política pode encontrar trégua e em que as narrativas de paz, previsibilidade e estabilidade ganham relevância. A emergência desse eleitorado modifica as dinâmicas eleitorais previstas para 2026, impondo novos desafios aos partidos políticos e lideranças.
Outro ponto a ser observado é o fenômeno do centrão, cuja influência e jogo político se consolidam numa lógica pragmática, oscilando entre o liberalismo econômico e o conservadorismo moral. Essa ambivalência é representativa da crise estrutural da elite política brasileira, que aparenta querer o poder, mas teme a pressão popular e a perda de controle sobre as pautas morais do país. Essa elite fragmentada traduz a perda de centralidade da classe média ilustrada e a emergência de um centro político mais difuso, desconectado das antigas hegemonias ideológicas.
No campo das pautas legislativas, o mês de outubro testemunha embates cruciais envolvendo temas como a anistia para envolvidos em tentativas golpistas, a reforma tributária e a regulamentação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Tais temas lançam luz sobre as divisões institucionais que atravessam o Congresso, refletindo lutas pelo controle do aparelho estatal e pelo direcionamento das políticas públicas em um momento de forte pressão social. A anistia, em particular, simboliza a batalha entre justiça e esquecimento, proposta e rejeição, aproximando o político do moral, e refletindo o desgaste do país com o ciclo político marcado por processos judiciais e a polarização incessante.
A pesquisa Quaest, ao revelar o cansaço moral e a ambiguidade dos eleitores frente a temas éticos e institucionais, sugere que a eleição vindoura será menos um encontro de programas detalhados e mais uma disputa por narrativas que onerem emocionalmente o eleitorado. A disputa eleitoral de 2026 configura-se, assim, como uma contenda entre sensibilidades: entre aqueles que prometem acalmar e pacificar, e aqueles ainda imersos na retórica do confronto e da desordem. Quem conseguir ofertar um sentido de cuidado e esperança levará vantagem no ajuste político futuro.
É imprescindível, portanto, reconhecer a densidade psicopolítica que permeia o cenário brasileiro. A política, nesse momento, assume um papel de tradutora das emoções coletivas e das fissuras sociais, sendo tanto produto quanto produtora de um mundo simbólico que oscila entre afeto e violência, entre esperança e desencanto. Essa complexidade desafia agentes públicos, partidos políticos e a academia a pensar a democracia brasileira não apenas por seu arcabouço institucional, mas pela sutileza das dinâmicas culturais e emocionais que constituem sua base social.
Com efeito, a análise desses fenômenos revela que o Brasil de 2025 está numa encruzilhada: de um lado, o compromisso com a reconstrução democrática e social marcado pelo lulismo afetivo; de outro, o resíduo conflituoso do bolsonarismo radicalizado; e entre esses, a busca urgente por normalidade por parte de um eleitorado fatigado. Essa tensão define o contorno do processo político, impinge aos líderes e às instituições a responsabilidade de transformar o barulho político em um projeto de convivência plural e respeitosa.
Assim, a sociologia política contemporânea deve enfatizar o papel das narrativas, das emoções e das representações coletivas para compreender o Brasil atual. Mais do que uma simples disputa política, trata-se de um embate pela ressignificação do sentido público, da ética na política e da relação entre Estado e sociedade. O futuro do país, desse modo, depende da capacidade de construir pontes que alcancem o desencantado sem ceder aos extremos, reforçando a necessidade de um discurso inclusivo e de políticas que atendam às múltiplas demandas de uma população marcada por desigualdades e por uma busca genuína por dignidade e justiça.
Sem dúvida, outubro de 2025 configura-se como um momento emblemático para o tecido político brasileiro, revelando não apenas os sintomas da crise, mas também as possibilidades de superação e reconstrução de um sistema político mais maduro, capaz de transcender a guerra cultural e promover a convivência democrática. Nesse processo, a reflexão crítica e aprofundada sobre o radicalismo político, os afetos e as transformações sociais pode oferecer caminhos para uma política com maior profundidade humana e social, essencial para o Brasil que se deseja construir.
