Ao compulsar o calendário brasileiro, podemos identificar vários feriados nacionais com origem religiosa, o que deflagra o tradicionalismo, sobretudo Católico, na população do Brasil. Não à toa, o primeiro ato público em nossas terras foi a celebração da Santa Missa, em Porto Seguro, com os integrantes da comitiva portuguesa, que por aqui atracou em 1500. E, como sabemos, os colonizadores ignoraram as manifestações culturais dos aborígenes e impuseram seus costumes e o Catolicismo, mediante a catequização compulsória dos indígenas. Deixando esse encontro colonial para outra matéria, é fato que o Cristianismo é parte determinante na História do Brasil e, como tal, merece o devido relevo até mesmo por aqueles que não tem fé. Aos que tem, como eu, dedico esta reflexão.
O dia 12 de outubro é o dia de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Maria, mãe de Jesus, que se deixa ver ao redor do mundo, “apareceu” a brasileiros pescadores, no interior de São Paulo. Desesperados pelas pescas infrutíferas, os trabalhadores encontram o corpo de uma imagem de Maria Santíssima sem a cabeça. Foi nesse momento em que o foco da procura mudou. Ao invés da busca dos peixes, passaram a buscar pela cabeça da imagem de Nossa Senhora, quando, em poucos instantes e junto com a parte restante da sagrada imagem, veio uma grande quantidade de peixes. Um paralelo com o famoso episódio das Bodas de Caná, do Evangelho de João.
Assim como na história bíblica em que os noivos estavam desesperados com a falta de vinho para a festa, também os pescadores se viram em apuros diante da falta de peixes. Em ambos os casos, os necessitados entregaram-se a Nossa Senhora e nela depositaram sua confiança, palavra originada do vocábulo fides, em tradução direta, fé. Em ambos os casos, mediante fé, o milagre – do Latim mirare, em tradução “extraordinário, que vai de encontro às leis da natureza) – aconteceu. O melhor vinho surgiu dos tonéis e os peixes abundaram nas redes.
E é essa fé que leva multidões às celebrações e procissões, como o famoso Círio de Nazaré, em Belém do Pará, feito em honra a Nossa Senhora de Nazaré. Conta a história que a imagem sagrada era levada a determinado local pelas pessoas e, miraculosamente, regressava a seu ponto original quando todos a deixavam. Assim, a procissão do círio segue exatamente esse caminho do milagre, quando muitas pessoas imploram pelos milagres que precisam em suas vidas.
Quando se analisa essas manifestações aos olhos da religiosidade, entende-se a imensidão da fé e sua importância na vida das pessoas. E, embora seja um autor movido pela fé, minha reflexão insta abordar o aspecto filosófico, principalmente da importância da religiosidade e, claro, da fé na vida do ser humano. Afinal, a limitação é inerente ao conceito de humanidade. E grande parte das aflições humanas ocorrem quando estamos diante de situações que nos tornam impotentes diante dos fatos, restando-nos apenas esperar o resultado. É em situações assim que o Homem se depara com o conceito mais puro – e desesperador – de solidão. Em outras palavras, a sabedoria profana encerraria com a famosa expressão “não ter para aonde correr”.
Já os que são agraciados pela fé, exatamente neste ponto – e em alguns outros também – experimentam algo totalmente diferente. Ao chegarem no limite que descrevi acima, ao invés da solidão, experimentam a entrega de seus desesperos àqueles nos quais depositam sua fé. Como fizeram os noivos de Caná e os pescadores de Aparecida. Como eu faço, todos dias. Como faz uma verdadeira multidão movida pela fé.