Diário Carioca

O avançar dos anos, principalmente no pós-pandemia, está fazendo exsurgir uma sociedade até então desconhecida, com uma intensa despersonificação das relações humanas, acompanhada de uma – muitas vezes – insana necessidade de exibição. Um movimento que até pode parecer simples, mas que tem prejudicado o equilíbrio dos nossos jovens, fazendo-lhes imergir em estágios realmente desafiadores no que diz respeito à saúde mental.

Atenta a esses movimentos, a indústria da tecnologia apruma-se para produzir gadgets cada vez mais sofisticados e atualizados no que mais atende a demanda de seus consumidores: o conjunto óptico. Completamente distante de sua função inicial, os chamados smartphones caminham cada vez mais para se tornarem câmeras impecáveis, ficando divorciados de sua genuína vocação para a comunicação. Aliás, chega a ser irônico que uma ferramenta criada para unir as pessoas tem estabelecido os dias mais solitários de todos os tempos. E está exatamente aí o cerne da nossa problemática.

Os aparelhos eletrônicos, quando ainda não estavam conectados à Internet, promoviam uma certa introspecção nas pessoas, geralmente ligada a jogos ou até outros tipos de entretenimento individual. Mas, com a conexão à rede, os celulares passaram a, gradativamente, ocupar o lugar dos computadores, não apenas para atividades recreativas, mas também de trabalho. E depois disso, passaram a agregar cartões bancários, passagens aéreas, exames médicos, entre outras funções que superam, em muito, a usabilidade doméstica dos computadores. E dentre essas, as famosas redes sociais.

Com as redes sociais, desde sua criação, foi possível observar uma forte tendência dos seus usuários a serem influenciados pelos conteúdos por ali publicados. Mas foi durante a pandemia, com os chamados isolamentos sociais, que esses ambientes virtuais acabaram ganhando espaço ainda maior e, definitivamente, mudado o cenário das relações sociais por todo o mundo. Aos mais jovens, inclusive, as interações virtuais passaram a ser uma espécie de estágio de avaliação para relacionamentos reais, em todas as acepções dessa expressão.

É verdadeiro que essa virtualização da sociedade acabou por trazer infindos avanços, principalmente no mercado corporativo e educacional. A possibilidade da realização de eventos acadêmico-estudantis à distância, ou em formato híbrido, rompeu barreiras e fronteiras outrora indisponíveis. Atualmente, é possível ter acesso a aulas nas melhores instituições americanas ou europeias sem sequer sair de casa. Reuniões de trabalho, audiências judiciais, entre outros encontros de trabalho nunca foram tão ágeis com a utilização dos recursos digitais, que, inclusive, zeraram os custos de deslocamento.

Entretanto, quando se volta a lupa para as redes sociais, parece-me cristalino que a excessiva virtualização tem adoecido a saúde mental das pessoas, sobretudo as mais jovens. Acompanhar aquela “vitrine” de pessoas perfeitas vivendo perfeitamente está gerando comparações equivocadas, porém, intensamente catastróficas. E as maiores vítimas são as crianças, adolescentes e jovens, os quais não estão conseguindo assimilar e, principalmente, filtrar as informações que recebem a todo momento.

A vida do outro sempre parece melhor, mais completa, feliz. Afinal, todos escolhem os ângulos e os detalhes para sempre conseguirem mostrar a mais bela foto, um instante único de uma experiência, não necessariamente, agradável, mas que deve soar aos seguidores como perfeita. E, por óbvio, as lentes da câmera tem a capacidade de esconder aquilo ou aqueles que não se quer mostrar, deflagrando apenas os pontos mais agradáveis, geralmente isolados do todo.

Com isso, estabelece-se uma comparação insana e irreal do estilo de vida virtualmente exposto e realmente vivido. Nesse movimento, é comum a prática de desvalorizar tudo o que se construiu, muitas vezes, com esforço e dificuldade, quando comparado com o que o outro apresenta ter. Um ciclo de rompimento com a realidade que tem levado muitas pessoas a estágios profundos de tristeza, desânimo ou, até mesmo, quadro mais graves de autodepreciação e vitimização. Isso sem falar na atribuição de culpa a terceiros que além de não contribuírem para nada de ruim, muitas vezes, são as únicas fontes de ajuda diante dos desafios da vida real.

Por derradeiro, é importante comentar sobre as unanimidades que as redes sociais estabelecem. Os poderosos alogarítimos tem uma incrível capacidade de – a partir de nossas buscas – encontram o que nos interessa. Nesse movimento, acabam nos mostrando, exatamente e, apenas, aquilo que “queremos” ver. E essa prática, aos poucos, vai minando o senso crítico de todos e encastelando, paulatinamente, cada um dentro de sua bolha, formando pessoas intolerantes, que se imaginam cultas e até intelectuais. Mas, na realidade, assim como nas fotos que tiram, extraem um mínimo conteúdo e tentam – para os incautos – impor como verdade absoluta. Talvez esse seja um dos maiores desafios dos tempos atuais. Já que o ser humano conseguiu conquistar até o espaço, é tempo de retomar as rédeas de sua própria vida. 

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