O estudo das ciências jurídicas – tomado de forma condoreira – implica na análise sistemática das normas cogentes, bem como na sua adequada compreensão à luz do documento constitucional, que estabelece a soberania do Estado. Nesse sentido, em qualquer ordenamento jurídico do mundo, os atores do Direito devem dominar as normas gerais e, com base nelas, estabelecer um processo hermenêutico de compreensão de toda legislação delas decorrentes.De toda sorte, há que se destacar o caráter dêitico das ciências jurídicas, onde a dialética é predominante em todos os atos de natureza contenciosa, deflagrando os diferentes pontos de vista dos operadores do Direito. E é dentro dessa dinâmica que se torna possível identificar a ética de cada um dos atores da cena jurídica, à luz de seus papéis dentro do processo, dentro dos princípios da Deontologia Jurídica.

Por tudo isso, é perfeitamente compreensível que o olhar do mesmo caso por um advogado e um promotor de justiça possam ser tão dissonantes, como se observa na praxis forense. E para que fique mais claro, pode-se recorrer ao expediente de um exemplo cotidiano, qual seja, o estudo do furto tentado, nos termos do art. 155, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, no Direito Brasileiro.

Na hipótese do furto operado pelo “batedor de carteira”, vislumbra-se o cenário hipotético de um meliante que furta a bolsa de vítima que se encontrava perambulando em via pública. Já com a res furtiva em mãos, o agente é perseguido pelos milicianos estatais, os quais logram êxito na sua captura e recuperação do bem, que é restituído à vítima. Em que pese em tempos contemporâneos haja firme jurisprudência na ocorrência do furto tentado, já que o criminoso não fruiu da injusta posse desvigiada do bem, militou o Ministério Público em diametral sentido contrário durante muito tempo. No entendimento ministerial, o meliante percorreu todas as fases do intercriminis, tendo obtido o resultado previsto no tipo penal, o que ensejaria a classificação do crime como consumado.

O caso superficialmente transcrito acima demonstra com clareza o caráter dêitico dos postos a serem operados pelos atores do Direito. Nesse sentido, quando adentramos ao estudo da Deontologia, resta evidenciado que a ética do advogado está em – dentro do arcabouço da verdade e da permissão legislativa – promover a defesa do acusado (seja seu cliente constituído ou assistido, em caso de defensor público). De outro lado, ao órgão do Ministério Público cabe o mister de defender a sociedade, em seu posto constitucional de Parquet, tendo, à luz da verdade, uma ética direcionada ao bem comum.

Elaborando melhor essa temática, é necessário inferir que qualquer simplismo pode levar a uma leitura equivocada do caso. Não cabe ao defensor (público ou privado) transpor imoral ou de forma não republicana a legislação positiva, alterando a verdade dos fatos, ou levando a erro os julgadores. Ao contrário, cabe-lhe o munus de articular os argumentos jurídicos que justifiquem os fatos ocorridos, ou faça-lhes ser atribuído um desvalor menor do que o almejado pela acusação, notadamente quando essa encontra-se em descompasso com a justa previsão legal. Da mesma forma, ao promotor de justiça não serve a couraça de mero acusador, o que diminuiria sua vital importância dentro do ordenamento jurídico brasileiro. A ele cabe a defesa da sociedade tomada como um todo e, nesse exercício, tendo a verdade como norte, é-lhe esperada a imparcialidade a ponto de – mesmo tendo o poder de acusar – promover a defesa daquele que sabe ser inocente. Afinal, quando se defende a sociedade não se pode admitir, sob nenhuma hipótese, a responsabilização de um inocente, sob pena de macular não apenas o indivíduo, mas toda a comunidade.

Por derradeiro, insta fazer menção sobre a imparcialidade do julgador. Essencial para o Estado Democrático de Direito, a figura imparcial do juiz é pressuposto objetivo para a credibilidade e ultimação do sistema da heterocomposição. Especificamente sobre essa temática, recomendo a leitura do meu artigo “A imparcialidade como elemento essencial da heterocomposição”. A leitura do presente artigo, em conjunto com o que acabo de apontar expõe um panorama inicial e bastante claro do sistema estatal que se espera, dentro do bojo de um Estado Democrático de Direito.

Um estudo mais aprofundado dos elementos suscitados irá gerar convergência no sentido de que se todos os operadores do Direito mirarem na verdade, dentro dos limites da lei e da ética, o Estado irá se aproximar do mais cristalino ideal de Justiça. É por isso que defendo a ideia de que todos os verdadeiros atores do meio jurídico devem sempre estar do mesmo lado: o da Justiça, não importando quem estejam representando.

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