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A existência de conflitos é tão inerente à aglutinação humana que, em linhas mais aprofundadas deve estar presente na própria conceituação da vida em sociedade. Até mesmo entre os animais não humanos são bastante recorrentes os duelos originados em demarcações de territórios, disputas pela mesma fêmea, ou diversas outras situações conflituosas que acabam ocasionando desafios e brigas físicas, com imprevisíveis consequências.

O ser humano, dotado de racionalidade, desenvolveu uma série de mecanismos e ferramentas para buscar resolver os conflitos da forma mais ordeira e menos lesiva possível. De qualquer forma, por mais primitivas ou contemporâneas, qualquer praxis de deslinde de conflitos passa por três grandes universos, que são verdadeiros gêneros da busca pela paz social que imperava antes do primeiro ato ilícito que desencadeou o conflito.

O primeiro deles é a autocomposição, que se traduz pela tratativa natural e desacompanhada das partes em conflito, as quais acabam concluindo que um acordo, naturalmente com mútuas concessões, pode solucionar o problema pelo qual passam. O segundo, bastante parecido com o primeiro, concentra-se no mesmo movimento das partes de chegarem a um consenso definitivo. Todavia, nesta hipótese o exercício de entendimento dos conflitantes é conduzido por um profissional que, ao dialogar com todos os lados, adota uma postura de negociador, conduzindo o feito a uma autocomposição artificial. O líder desse processo (mediador) pode ser ligado ao poder público ou não. De qualquer forma, trata-se de alguém que compreende a lide e leva as partes a refletir sobre todos os aspectos e vantagens da autocomposição.

Heterocomposição. Como já sugerido pela etimologia…

O terceiro gênero – e mais importante para esta reflexão – é a Heterocomposição. Como já sugerido pela etimologia da nomenclatura, trata-se de um método de resolução de conflitos por meio do qual, o deslinde é dado por terceiro estranho aos fatos, mas deles conhecedor. E esse terceiro será o árbitro ou o juiz, a depender do tipo de demanda e da vontade das partes.

Melhor explicando, nas causas cíveis que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, é lícito às partes recorrer à Arbitragem para resolução de conflitos. Em que pese exigir a lei que o árbitro apenas tenha capacidade civil e seja da confiança das partes, o que se observa nos últimos anos é formação de árbitros cada vez mais qualificados, especializados profissional e academicamente. Tudo isso para conquistar a confiança e credibilidade perante as partes, as quais fruem da segurança de terem seu pleito analisado por um julgador totalmente técnico e com domínio pleno do tema em debate. Não à toa, os índices de adesão ao processo arbitral estão aumentando em patamares exponenciais.

O Poder Judiciário, geralmente formado por magistrados de primeira instância que não dispõem dessa expertise, confere ao cidadão o Direito ao Duplo Grau de Jurisdição. Tomando-se o sistema brasileiro como exemplo, além do reexame fático que ocorre nos tribunais estaduais e regionais, o jurisdicionado ainda tem direito ao escrutínio legal (operado pelo Superior Tribunal de Justiça) e à reanálise constitucional (realizada pelo Supremo Tribunal Federal). Tudo para assegurar confiança e a credibilidade perante o cidadão. Afinal, diferente do árbitro, que as partes podem analisar o currículo e escolher de forma consciente, os julgadores oficiais são impostos ao cidadão, como forma de satisfação do princípio do juiz natural. Por isso o mecanismo tão rebuscado de garantias e proteções inerentes a um Estado Democrático de Direito.

De qualquer forma e, em ambos os casos, o fator determinante para a credibilidade do julgador é a imparcialidade, elemento essencial para que seja locupletado o sistema da heterocomposição. Um julgador parcial dissolve-se de seu posto decisório, passando a advogar para a parte que o persuadiu, corrompendo seu dever de idoneidade, ainda que esteja imbuído em nobre valor moral de proteger alguma vulnerabilidade que, subjetivamente, enxergou. A imparcialidade é a exegese da heterocomposição.

Não importa se pelo sistema da Arbitragem ou pelo Poder Judiciário, a Democracia impõe o modus operandi da busca da paz social pela Justiça. E é por isso que seus julgadores, independente de qualificação ou capacidade técnica, devem, por obrigação do munus que lhes foi designado – pelas partes ou pelo Estado – ter um compromisso indissolúvel com a imparcialidade. Assim encerro com as palavras do insigne Prof. Otacílio Paula Silva (apud Themis, Fortaleza, v 3, n. 1, p. 21 – 51, 2000), verbis: “Há profissão ou atividade cujo êxito acha-se ligado a atitudes intimamente relacionadas a valores éticos, como, v.g., a caridade para o sacerdote, a isenção para o magistrado, a honestidade para o servidor público em geral.”

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